Drácula de Bram Stoker – Entre a Paixão e a Maldição

Quando Francis Ford Coppola lançou Drácula de Bram Stoker em 1992, muitos esperavam apenas mais uma adaptação do clássico romance de horror gótico escrito por Bram Stoker em 1897. Afinal, o personagem já havia sido retratado inúmeras vezes no cinema, da versão seminal de Bela Lugosi em 1931 à interpretação bestial de Christopher Lee nas produções da Hammer Films. No entanto, Coppola, conhecido por obras como O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, entregou algo surpreendentemente ousado: uma fusão entre o terror romântico, o melodrama operístico e o cinema barroco, com uma estética visual única que homenageava as raízes do cinema expressionista e das primeiras técnicas cinematográficas.

Desde os primeiros minutos, é evidente que Drácula de Bram Stoker se distingue por sua estética artesanal e autoral. Rejeitando os efeitos digitais modernos que começavam a dominar Hollywood no início dos anos 1990, Coppola optou por efeitos práticos, sobreposições, espelhos, animações stop-motion e jogos de sombras, criando uma atmosfera que evoca o cinema mudo e os filmes de horror dos anos 1920 e 1930. A fotografia de Michael Ballhaus, combinada ao design de produção de Thomas E. Sanders e aos figurinos de Eiko Ishioka, estabelece uma linguagem visual extravagante, sensual e muitas vezes surreal.

Os figurinos são um espetáculo à parte. Eiko Ishioka, que ganhou o Oscar por seu trabalho, cria roupas que misturam culturas orientais e ocidentais, que sexualizam ou animalizam os personagens, como no icônico traje vermelho de Drácula no início do filme, que lembra uma armadura de músculos expostos. A própria aparência do conde — um velho de cabelos brancos e crespos, com unhas compridas e pele pálida — foge dos arquétipos anteriores do vampiro sedutor, apenas para gradualmente se transformar num jovem atraente e carismático, interpretado por Gary Oldman. Essa transformação visual reflete a dualidade interna do personagem: um ser dividido entre o monstro amaldiçoado e o amante trágico.

Apesar do título anunciar fidelidade à obra de Bram Stoker, Coppola e o roteirista James V. Hart tomam liberdades criativas significativas, especialmente ao romantizar a figura de Drácula. No livro, o conde é uma força maligna quase sem humanidade, um predador que ameaça a moralidade e a estrutura da sociedade vitoriana. No filme, ele é um guerreiro cristão do século XV que, após perder sua amada Elisabeta, renuncia a Deus e se torna um vampiro como forma de desafiar o divino. Esse prólogo inventado adiciona um elemento trágico à história, transformando Drácula num personagem motivado pelo amor e pela perda, e não apenas pela sede de sangue.

A personagem Mina Harker, vivida por Winona Ryder, no livro uma figura exemplar de virtude e pureza, ganha contornos mais complexos no filme. Coppola insinua que ela é a reencarnação da esposa perdida de Drácula, criando um conflito moral e emocional que não existe na obra original. Isso transforma a narrativa numa história de amor condenado pelo tempo e pela natureza sobrenatural, em vez de apenas um combate entre o bem e o mal.

Essas mudanças dividem os puristas, mas conferem à obra uma profundidade emocional e um lirismo que poucos filmes de vampiro haviam alcançado até então. Coppola parece mais interessado em explorar os limites da paixão, da loucura e da sensualidade do que em ater-se a uma adaptação literal.

Gary Oldman entrega uma das performances mais multifacetadas de sua carreira. Seu Drácula transita com fluidez entre diferentes formas e personas: o velho conde aristocrático, o jovem dândi londrino, o monstro animalesco e o amante melancólico. Oldman encontra o tom exato entre o grotesco e o sedutor, o trágico e o ameaçador. Sua performance é marcada por uma fisicalidade intensa e uma presença que domina a tela, mesmo nos momentos de silêncio.

Winona Ryder, como Mina, funciona como o coração emocional do filme. Ela representa o desejo reprimido, a dúvida moral e a tensão entre os deveres sociais e os impulsos passionais. A química entre ela e Oldman sustenta a narrativa romântica do filme, mesmo nos momentos em que o roteiro flerta com o melodrama excessivo.

Anthony Hopkins, por sua vez, interpreta o professor Abraham Van Helsing de forma quase caricatural, com um humor macabro e um tom excêntrico que contrastam com o clima gótico da obra. Essa abordagem divide opiniões: há quem veja nela um alívio cômico necessário, enquanto outros a consideram uma ruptura de tom.

Keanu Reeves, no papel de Jonathan Harker, é amplamente considerado o elo mais fraco do elenco. Sua tentativa de imitar um sotaque britânico soa forçada, e sua atuação, especialmente quando contracena com atores mais experientes, carece de profundidade emocional. Ainda assim, sua presença não chega a comprometer a força do filme como um todo.

Uma das marcas registradas de Drácula de Bram Stoker é seu erotismo escancarado. Ao contrário de outras versões que evitavam ou suavizavam os aspectos sexuais do vampirismo, Coppola os abraça com intensidade. O ato de sugar o sangue é filmado como uma metáfora para a relação sexual, e as cenas de sedução são carregadas de desejo, ambiguidade e prazer proibido.

Essa abordagem coloca o filme na linhagem do horror erótico, aproximando-o de obras como Os Amantes Vampiros (1971) e Nosferatu, o Vampiro da Noite (1979), de Werner Herzog. Mas Coppola vai além: ele utiliza o erotismo não apenas como atração, mas como ameaça. O desejo é o caminho para a perdição, e o prazer, uma forma de possessão. Lucy Westenra (Sadie Frost), por exemplo, é transformada numa criatura sensual e demoníaca após ceder às forças de Drácula — uma metáfora visual e narrativa da transgressão moral na sociedade vitoriana.

Outro tema central do filme é o tempo — ou melhor, sua negação. Drácula é um ser que se recusa a aceitar a morte, que desafia a ordem natural ao buscar a eternidade. Sua condição de vampiro é ao mesmo tempo um triunfo e uma maldição: ele vive para sempre, mas carrega o peso da perda, da solidão e da culpa. A busca por Mina é também uma tentativa desesperada de se redimir e recuperar algo que o tempo lhe tirou.

Essa dimensão metafísica do filme é reforçada pelo simbolismo religioso que permeia toda a narrativa. A cruz, o sangue de Cristo, a hóstia sagrada, os crucifixos — todos esses elementos são constantemente evocados, subvertidos e confrontados. Drácula é um herege que profana os símbolos do cristianismo, mas também um penitente que busca salvação. No clímax do filme, é Mina quem oferece essa redenção, ao matá-lo com um gesto de amor, não de ódio.

A trilha sonora de Wojciech Kilar é outro destaque absoluto. Com temas que alternam entre o épico, o sombrio e o melancólico, a música reforça a dimensão operística do filme. É ela quem conduz emocionalmente o espectador, ora criando tensão, ora amplificando a dor do personagem-título.

A montagem de Anne Goursaud também merece atenção. Em muitos momentos, Coppola utiliza cortes rápidos, sobreposições de imagem, elipses e paralelismos visuais para sugerir conexões psíquicas e espirituais entre os personagens. O uso de cartas, diários e narrativas em primeira pessoa — herdado diretamente do romance epistolar de Stoker — é transformado numa estratégia cinematográfica que mescla subjetividade, fragmentação e simultaneidade.

Na época de seu lançamento, Drácula de Bram Stoker foi um sucesso comercial e ganhou três Oscars (Figurino, Maquiagem e Edição de Som). A crítica, no entanto, ficou dividida: alguns exaltaram sua ousadia estética e sua reinvenção do mito; outros acharam o filme exagerado, artificial e confuso. Com o tempo, porém, a obra ganhou status de cult e passou a ser reavaliada como uma das adaptações mais interessantes do romance de Stoker, talvez a mais ambiciosa em termos visuais e temáticos.

Mais do que um filme de terror, Drácula de Bram Stoker é uma experiência sensorial que desafia convenções. Ele rejeita o realismo e abraça o artifício, aposta no exagero como estilo e faz do horror uma forma de poesia trágica. Em um tempo em que o gênero era frequentemente associado a fórmulas e sustos fáceis, Coppola entregou uma obra autoral, romântica e profundamente gótica — um épico da alma atormentada.

Drácula de Bram Stoker é uma obra única dentro da filmografia de Coppola e um exemplo raro de cinema comercial feito com total liberdade criativa. Ele nos lembra que o horror pode ser belo, que o amor pode ser maldito e que os monstros mais assustadores são, muitas vezes, aqueles que amam demais.

Ao fim, resta a imagem de um Drácula que não quer apenas beber sangue, mas ser amado, perdoado, salvo. E talvez essa seja sua tragédia mais profunda: ser condenado não por seu desejo de matar, mas por seu desejo de amar além da morte.

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