A SAGA JOHN WICK: UMA REVOLUÇÃO NO CINEMA DE AÇÃO

A franquia John Wick, iniciada em 2014, redefiniu os rumos do cinema de ação contemporâneo. Misturando coreografias meticulosamente planejadas, uma mitologia única e uma estética elegante, os filmes estrelados por Keanu Reeves criaram um novo parâmetro de intensidade e estilo. Cada capítulo da saga aprofunda o universo sombrio e sofisticado dos assassinos de aluguel, enquanto amplia a jornada do personagem principal, um homem arrastado repetidamente para o submundo que tenta abandonar.

John Wick é uma obra-prima do cinema de ação moderno. Cada capítulo constrói sobre o anterior, ampliando tanto a mitologia quanto a escala das sequências. Mais importante, todos permanecem ancorados em um núcleo emocional simples: um homem tentando escapar da violência que define sua existência.

Com quatro filmes que beiram a perfeição no gênero, John Wick deixou de ser apenas um personagem para se tornar um ícone cultural. Sua jornada sangrenta e trágica redefine o que significa ser um herói no século XXI — e nos lembra que, por mais estilizada que seja a violência, ela sempre cobra um preço.

John Wick: De Volta ao Jogo (2014) – O primeiro filme chegou de maneira relativamente modesta, mas rapidamente se transformou em um fenômeno. Dirigido por Chad Stahelski e David Leitch (não creditado oficialmente), John Wick revitalizou a carreira de Keanu Reeves e trouxe frescor ao gênero da ação, que parecia saturado por filmes de montagem rápida e efeitos digitais excessivos.

A premissa simples, quase mítica, é o que dá força ao filme: John Wick é um assassino lendário aposentado, que tenta viver em paz após a morte da esposa. Porém, sua vida é virada do avesso quando o filho mimado de um mafioso russo invade sua casa, rouba seu carro e mata seu cachorro — último presente de sua esposa. Esse gesto de crueldade aparentemente banal desperta a fúria de Wick, que retorna ao submundo do crime em busca de vingança.

O sucesso do filme está em sua execução. A direção aposta em longos planos-sequência, que permitem ao público apreciar a destreza de Keanu Reeves nas artes marciais e no chamado gun-fu (mistura de artes marciais com armas de fogo). A ação é coreografada como uma dança violenta, com ritmo impecável, clareza espacial e uma brutalidade estilizada.

Outro grande trunfo é a apresentação do Continental, hotel exclusivo para assassinos que opera sob um código rígido de conduta. Essa criação deu início à mitologia que se expandiria nos filmes seguintes, com regras, rituais e moedas próprias.

Mais do que um simples filme de vingança, John Wick é uma fábula moderna sobre perda, luto e a impossibilidade de escapar do passado. A intensidade emocional de Reeves, combinada à sofisticação estética, fez com que o filme se tornasse um clássico instantâneo do cinema de ação.

John Wick: Um Novo Dia Para Matar (2017) – A sequência tinha a difícil tarefa de expandir um universo que, no primeiro filme, era apenas sugerido. Sob a direção solo de Chad Stahelski, Um Novo Dia Para Matar não apenas entrega mais ação, mas também aprofunda a mitologia do mundo dos assassinos, mostrando que o passado de John Wick não poderia ser enterrado.

O filme começa com Wick tentando finalmente se aposentar após recuperar seu carro. Mas o mafioso italiano Santino D’Antonio cobra uma dívida antiga: uma marca de sangue, um pacto inquebrável. John é forçado a assassinar a irmã de Santino, Gianna, para que ele possa assumir um assento na Alta Cúpula, organização que governa os assassinos. Após completar a missão, John é traído, e Santino coloca uma recompensa milionária por sua cabeça.

Aqui, a franquia ganha novos contornos: a mitologia é expandida com a apresentação da Alta Cúpula, do uso mais elaborado das moedas de ouro, da rede de informações liderada por Bowery King (vivido por Laurence Fishburne) e da teia global de assassinos. O filme sugere que o mundo de Wick é uma sociedade secreta de alcance quase ilimitado, regida por regras tão rígidas quanto cruéis.

Visualmente, Um Novo Dia Para Matar é ainda mais estilizado, explorando locações como Roma e sequências de ação em ambientes marcantes (a luta dentro do museu de espelhos é uma das mais memoráveis da saga). A violência coreografada atinge novos patamares, mas o filme nunca deixa de lado o peso existencial que recai sobre John.

Ao final, Wick quebra a regra sagrada do Continental ao matar Santino dentro do hotel. Isso o coloca em rota de colisão direta com a Alta Cúpula e estabelece as bases para os filmes seguintes. O segundo capítulo eleva a saga de um simples conto de vingança para um universo mítico e expansivo, onde o protagonista se torna um pária caçado por todos.

John Wick 3: Parabellum (2019) – O terceiro filme começa imediatamente após os eventos do anterior, com John fugindo pelas ruas de Nova York. Declarado excommunicado pela Alta Cúpula, ele perde todos os privilégios do mundo dos assassinos e passa a ser caçado por qualquer um em busca da recompensa. O título, Parabellum, vem da expressão latina Si vis pacem, para bellum (“Se quer paz, prepare-se para a guerra”), refletindo a escalada da violência.

Logo de início, o filme entrega uma das sequências mais brutais da franquia: a luta de John com um assassino usando apenas livros em uma biblioteca. Essa cena simboliza bem o que o terceiro capítulo oferece: criatividade incessante nas coreografias, explorando tudo como arma. Facas, cavalos, motos, cães de ataque — tudo se transforma em instrumento de ação.

O filme também expande ainda mais a mitologia. John busca ajuda em figuras do passado, como a misteriosa Diretora (Anjelica Huston), que o treinou na juventude, e Sofia (Halle Berry), uma assassina que comanda cães ferozes. Também conhecemos o Adjudicator (Asia Kate Dillon), emissário da Alta Cúpula que impõe punições implacáveis.

Apesar da grandiosidade, Parabellum nunca perde de vista o tema central da franquia: a luta de John contra um destino inevitável. Ele tenta sobreviver, mas cada passo o afunda mais na guerra contra o sistema. O filme culmina em um confronto épico dentro do Continental, onde John e Winston enfrentam ondas de assassinos fortemente armados.

O desfecho é ambíguo e surpreendente: Winston trai John para preservar sua posição, atirando nele e o deixando cair de um prédio. Gravemente ferido, John é resgatado pelo Bowery King, também revoltado contra a Alta Cúpula. Assim, o terceiro capítulo termina com uma promessa clara: a verdadeira guerra ainda está por vir. Parabellum é, talvez, o ápice estilístico da franquia, com coreografias ainda mais ousadas e uma direção visual que transforma violência em arte.

John Wick 4: Baba Yaga (2023) – O quarto filme representa o clímax da saga, funcionando como uma ópera de ação que amarra os principais arcos narrativos. Aqui, John busca finalmente se libertar da Alta Cúpula, enfrentando o poderoso Marquês de Gramont (Bill Skarsgård), um vilão elegante e cruel que recebe plenos poderes para eliminar Wick.

O filme amplia ainda mais a escala global da franquia, levando o espectador a Paris, Osaka, Berlim e outras locações impressionantes. Cada cenário é usado de forma criativa para construir sequências de ação que já nasceram clássicas: a luta na escadaria de Montmartre, a perseguição no Arco do Triunfo, o duelo no Japão. Chad Stahelski atinge aqui o auge de sua direção, equilibrando grandiosidade épica com intimidade emocional.

Além disso, John Wick 4 introduz personagens marcantes, como Caine (Donnie Yen), um assassino cego com habilidades letais, e Tracker/Mr. Nobody (Shamier Anderson), caçador de recompensas ambíguo. Esses personagens reforçam a sensação de que o universo de John Wick é vasto, mas sempre conectado pela honra, lealdade e traição.

O coração do filme, porém, está na jornada de John em busca de liberdade. Para desafiar o Marquês, ele precisa participar de um duelo mortal, retomando tradições arcaicas da Alta Cúpula. O desfecho é tão trágico quanto poético: após derrotar o Marquês, John aparentemente morre, encontrando finalmente a paz que sempre buscou desde a perda da esposa. O tom operístico do quarto capítulo dá à franquia uma conclusão à altura. É um épico moderno que mistura ação estilizada, mitologia sombria e um peso emocional raro no gênero.

Ao longo de quatro filmes, a saga se consolidou como um dos maiores fenômenos do cinema de ação do século XXI. A influência da franquia pode ser vista em produções que imitam sua estética, sua forma de filmar lutas e até sua mitologia (como Atomic Blonde e Nobody, ambos de roteiristas e diretores ligados ao universo de Wick).

O sucesso também gerou derivados, como a série The Continental (explorando o hotel nos anos 1970) e o spin-off Ballerina, estrelado por Ana de Armas. Esses projetos expandem o universo, mas é indiscutível que o coração da saga sempre será Keanu Reeves como John Wick.

Mais do que apenas filmes de ação, os capítulos funcionam como uma tragédia moderna. Wick é um herói trágico, condenado por suas próprias escolhas e pela violência que não consegue abandonar. A elegância da execução, a consistência estética e a profundidade emocional transformaram a franquia em algo maior: um mito contemporâneo.

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