Superman: O Filme – A Origem do Mito no Cinema

Lançado em 1978, “Superman: O Filme” é mais do que um marco no gênero de super-heróis: é um símbolo do poder do cinema de transformar mitos em experiências palpáveis e emocionantes. Dirigido por Richard Donner e estrelado por Christopher Reeve, o longa redefiniu o que o público poderia esperar de uma adaptação de quadrinhos. Em uma época em que o gênero ainda era considerado ingênuo e de apelo limitado, “Superman” chegou como uma superprodução de prestígio, com orçamento milionário, trilha sonora de John Williams, roteiro de nomes consagrados (como Mario Puzo, de “O Poderoso Chefão”) e efeitos visuais revolucionários para a época.

A famosa frase promocional do filme, “Você vai acreditar que um homem pode voar”, não era apenas uma promessa tecnológica — era uma afirmação de fé no poder do cinema de fazer o impossível parecer real. Quase meio século depois, “Superman: O Filme” permanece como um clássico não apenas do gênero de super-heróis, mas da história do cinema como um todo.

Uma das características mais marcantes do filme é sua estrutura narrativa, dividida em três atos bem distintos que, juntos, formam uma verdadeira jornada mítica. Richard Donner não tem pressa em nos apresentar o Superman completo. Ao contrário: o filme leva quase uma hora até vermos Clark Kent voar pela primeira vez como o herói de capa vermelha. Esse cuidado com a construção do personagem é um dos grandes trunfos da obra.

O primeiro ato se passa em Krypton, planeta natal de Kal-El, onde conhecemos seu pai, Jor-El, interpretado por Marlon Brando em uma performance contida, mas imponente. Essa introdução sci-fi, fria e solene, estabelece os elementos mitológicos da origem de Superman: o planeta condenado, a decisão de Jor-El de salvar seu filho enviando-o à Terra, e os valores que ele tenta transmitir ao filho mesmo após sua morte. Visualmente, Krypton é um espetáculo: um mundo de cristais, luzes e minimalismo, que ainda hoje impressiona pela concepção artística.

O segundo ato se desloca para Smallville, no Kansas, onde o jovem Clark Kent cresce com seus pais adotivos, os Kents. Aqui, o tom muda radicalmente. A cinematografia se torna mais quente e bucólica, refletindo o coração da América do meio-oeste. É em Smallville que vemos o surgimento do senso de moral, justiça e compaixão do herói. A morte de seu pai adotivo, Jonathan Kent (em uma cena simples e devastadora), marca o início da jornada de Clark rumo à sua verdadeira identidade.

O terceiro ato leva Clark à Metrópolis, já adulto, onde adota o disfarce de jornalista desajeitado no “Planeta Diário” e conhece Lois Lane (vivida com carisma e intensidade por Margot Kidder). É aqui que o Superman finalmente entra em cena, com direito à sua icônica primeira aparição ao salvar Lois de um helicóptero caindo do alto de um prédio — uma das cenas mais lembradas da história do cinema. A partir daí, o filme alterna entre cenas de ação, romance e humor, culminando em um clímax ambicioso que envolve terremotos, mísseis nucleares e até a reversão do tempo

O grande trunfo de “Superman: O Filme” está em Christopher Reeve, que entregou uma das performances mais icônicas da história do cinema. Sua atuação é a personificação do ideal do super-herói: carismático, ético, bondoso, mas também com um senso de humor sutil e humano. O que impressiona é sua capacidade de diferenciar com clareza o Clark Kent atrapalhado do Superman confiante — uma transformação que vai além dos óculos. Reeve atua com o corpo todo: muda sua postura, sua voz, seu olhar.

Muitos atores interpretaram Superman ao longo das décadas, mas poucos conseguiram capturar com tanta perfeição o equilíbrio entre poder e humanidade como ele. Reeve não apenas parecia o Superman dos quadrinhos — ele era o Superman, e isso ficou marcado para sempre na memória de gerações.

O relacionamento entre Clark Kent/Superman e Lois Lane é outro destaque do filme. Margot Kidder interpreta uma Lois ousada, ambiciosa e apaixonada pelo mistério do Homem de Aço. A química entre ela e Reeve é palpável, e a famosa cena do voo noturno entre os dois é ao mesmo tempo romântica e mágica. A sequência, embalada pela trilha de John Williams e pela narração poética de Lois, mistura ingenuidade com encanto, e se tornou uma das cenas mais lembradas da franquia.

Ainda assim, essa parte do filme não escapa de críticas — alguns consideram a narração em off de Lois um tanto brega, e outros apontam que o romance é acelerado demais. Mas, dentro do contexto de um filme que flerta com o conto de fadas e o melodrama clássico, esses elementos funcionam como parte do encanto.

Gene Hackman interpreta Lex Luthor, o vilão da história, com um misto de arrogância cômica e inteligência perversa. Longe do gênio frio e calculista de versões posteriores, o Lex de Hackman é mais teatral, acompanhado de capangas caricatos como Otis (Ned Beatty) e a estilosa Miss Teschmacher (Valerie Perrine).

Esse tom cômico é, para alguns, um ponto fraco do filme, pois entra em contraste com o clima mais solene do início. No entanto, o humor não chega a comprometer o tom geral da obra e reflete a herança dos quadrinhos da Era de Prata (Silver Age), em que a fantasia e a leveza predominavam. Mesmo assim, há momentos em que Lex mostra sua periculosidade, como no plano de destruir parte da Califórnia com mísseis e sua frieza ao colocar a vida de milhões em risco por ganância.

Nenhuma análise de “Superman: O Filme” estaria completa sem mencionar a trilha sonora de John Williams. O tema principal é talvez uma das composições mais reconhecíveis da história do cinema, capaz de evocar imediatamente um senso de heroísmo, esperança e grandiosidade. A música “Superman March” é triunfante, inspiradora e define o tom do filme desde os créditos iniciais.

Os efeitos visuais, para a época, foram revolucionários. A tecnologia utilizada para fazer Superman voar combinava cabos, projeção, miniaturas e efeitos ópticos. Hoje, podem parecer datados, mas em 1978 eram inovadores e ajudaram a criar a ilusão prometida no marketing: acreditar que um homem podia voar. A sequência do terremoto no clímax, com cenários desmoronando e salvamentos espetaculares, foi outro grande feito técnico.

“Superman: O Filme” é, em última instância, uma fábula sobre esperança, responsabilidade e identidade. Kal-El/Clark/Superman é o estrangeiro adotado que cresce com valores humanos e se torna um símbolo de tudo o que há de bom na humanidade. O filme transmite, sem ironia ou cinismo, que é possível acreditar no bem — uma mensagem poderosa, especialmente nos dias de hoje.

O impacto do filme é imensurável. Sem ele, não haveria o Batman de Tim Burton, nem o universo da Marvel como o conhecemos. “Superman” foi o primeiro filme de super-herói tratado com seriedade de blockbuster, com elenco de prestígio, direção de peso e ambições artísticas. Seu sucesso financeiro e crítico abriu caminho para todo o gênero que dominaria o cinema nas décadas seguintes.

“Superman: O Filme” é um clássico atemporal que transcende seu gênero. Ao unir mitologia, romance, ação e idealismo, Richard Donner criou uma obra que ainda emociona, inspira e encanta. Não é apenas a história de um herói superpoderoso salvando o mundo — é a história de um ser tentando encontrar seu lugar entre os humanos, acreditando na bondade inerente das pessoas, mesmo com todo seu poder.

Mais de 40 anos depois, a promessa de que “você acreditaria que um homem pode voar” continua viva. Mas talvez a maior façanha do filme tenha sido nos fazer acreditar que um homem podia ser, de fato, bom.

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